«Soprou sobre eles» Jo 20, 22
Ao cair da tarde - porque é sempre à tardinha que o coração se dispõe a escutar melhor - os discípulos estão fechados. Não apenas por fora, mas por dentro. Trancados numa sala, sim, mas mais ainda encerrados no medo, no cansaço, na vertigem de uma esperança que parecia ter morrido com Ele.
O Ressuscitado vem assim. Sem bater à porta. Sem fazer barulho. Não precisa que lho permitam - basta o amor para que Ele entre.
E quando entra, não traz explicações. Traz presença. E uma palavra breve, quase sussurrada, mas que se cola à alma: “A paz esteja convosco”. Como se dissesse: “Não tenham medo da vossa própria história”. Como se reescrevesse com ternura aquilo que já tínhamos dado por perdido.
Depois mostra-lhes as mãos e o lado. Mostra-lhes as suas feridas. Feridas que não desaparecem - que não são apagadas - mas que brilham agora como janelas para o invisível. Deus não se envergonha das cicatrizes. É nelas que a Ressurreição se revela.
E então repete: “A paz esteja convosco”. Porque há palavras que só nos tocam na segunda vez. E acrescenta: “Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio”. Não basta acolher. É preciso ser enviado. Ser ferida curada, tornada ferida que cura. O Evangelho é sempre movimento.
E depois, o gesto mais íntimo. Jesus sopra sobre eles. É um gesto antigo. É o sopro do Génesis, quando Deus molda Adão do pó e lhe insufla vida. Agora, esse mesmo sopro - o Espírito - faz de cada um nova criação. É um sopro que nos acorda para o perdão, que nos reconcilia com Deus e connosco mesmos.
Este texto não é apenas memória. É convocação. Também nós temos portas fechadas. Também nós trememos. Mas há um Deus que entra, mesmo com tudo trancado, e diz-nos: “A paz esteja contigo”. E sopra. E envia.
Deixaremos que esse sopro nos mova?
Ana Conde
Catequese e Família
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