Com um homem cego de nascença




Pode encontrar estas e outras imagens através dos links que encontra nesta PÁGINA


De onde vem este texto?

João relata duas curas feitas por Jesus em Jerusalém: o enfermo da piscina de Betzatá e o cego de nascença enviado à piscina de Siloé. Esta narrativa do milagre é muito breve; mas João faz com que seja seguida de uma pequena peça de teatro: um processo no qual o cego de nascença e os seus pais são interrogados pelos fariseus. De facto, é Jesus quem está a seu julgado, apesar de só aparecer no início, para curar, e no fim, para pronunciar a sua sentença sobre os fariseus. A narrativa é feita de diálogos muito vivos; aconselha-se vivamente a ler o texto completo no Evangelho de João (cap. 9).





Naquele tempo,
Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença.
Os discípulos perguntaram-Lhe:
«Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego?
Ele ou os seus pais?».




Jesus respondeu-lhes:
«Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais;
mas aconteceu assim
para se manifestarem nele as obras de Deus.


É preciso trabalhar, enquanto é dia,
nas obras d’Aquele que Me enviou.
Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar.
Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo».
Dito isto, cuspiu em terra,
fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego.





Depois disse-lhe:
«Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado».








Ele foi, lavou-se e ficou a ver.
Entretanto, perguntavam os vizinhos
e os que antes o viam a mendigar:
«Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?».
Uns diziam: «É ele».
Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele».
Mas ele próprio dizia: «Sou eu».




Perguntaram-lhe então:
«Como foi que se abriram os teus olhos?».
Ele respondeu:
«Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo,
ungiu-me os olhos e disse-me:
‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’.




Eu fui, lavei-me e comecei a ver».
Perguntaram-lhe ainda: «Onde está Ele?».
O homem respondeu: «Não sei».
Levaram aos fariseus o que tinha sido cego.
Era sábado esse dia em que Jesus fizera lodo
e lhe tinha aberto os olhos.
Por isso, os fariseus perguntaram ao homem
como tinha recuperado a vista.




Ele declarou-lhes: «Jesus pôs-me lodo nos olhos;
depois fui lavar-me e agora vejo».
Diziam alguns dos fariseus:
«Esse homem não vem de Deus, porque não guarda o sábado».




Outros observavam:
«Como pode um homem pecador realizar semelhantes sinais?».
E havia desacordo entre eles.
Perguntaram então novamente ao cego:
«Tu que dizes d’Aquele que te deu a vista?».
O homem respondeu: «É um profeta».




Os judeus não quiseram acreditar
que ele tinha sido cego e começara a ver.
Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes:
«É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego?
Como é que ele agora vê?».




Os pais responderam:
«Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego;
mas não sabemos como é que ele agora vê,
nem sabemos quem lhe abriu os olhos.
Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».
Foi por medo que eles deram esta resposta,
porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga
quem reconhecesse que Jesus era o Messias.
Por isso é que disseram:
«Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós».




Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego
e disseram-lhe: «Dá glória a Deus.
Nós sabemos que esse homem é pecador».
Ele respondeu: «Se é pecador, não sei.
O que sei é que eu era cego e agora vejo».




Perguntaram-lhe então:
«Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?».
O homem replicou:
«Já vos disse e não destes ouvidos.
Porque desejais ouvi-lo novamente?
Também quereis fazer-vos seus discípulos?».
Então insultaram-no e disseram-lhe:
«Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés.
Nós sabemos que Deus falou a Moisés;
mas este, nem sabemos de onde é».
O homem respondeu-lhes:
«Isto é realmente estranho: não sabeis de onde Ele é,
mas a verdade é que Ele me deu a vista.




Ora, nós sabemos que Deus não escuta os pecadores,
mas escuta aqueles que O adoram e fazem a sua vontade.
Nunca se ouviu dizer que alguém tenha aberto os olhos
a um cego de nascença.
Se Ele não viesse de Deus, nada podia fazer».
Replicaram-lhe então eles:
«Tu nasceste inteiramente em pecado e pretendes ensinar-nos?».
E expulsaram-no.
Jesus soube que o tinham expulsado
e, encontrando-o, disse-lhe:
«Tu acreditas no Filho do homem?».
Ele respondeu-Lhe:
«Quem é, Senhor, para que eu acredite n'Ele?».



Disse-lhe Jesus:
«Já O viste: é quem está a falar contigo».
O homem prostrou-se diante de Jesus e exclamou:
«Eu creio, Senhor».
Então Jesus disse:
«Eu vim a este mundo para exercer um juízo:
os que não vêem ficarão a ver;
os que vêem ficarão cegos».
Alguns fariseus que estavam com Ele, ouvindo isto,
perguntaram-Lhe:
«Nós também somos cegos?».
Respondeu-lhes Jesus:
«Se fôsseis cegos, não teríeis pecado.
Mas como agora dizeis: ‘Nós vemos’,
o vosso pecado permanece».





Evangelho do Domingo IV da Quaresma (Ano A)
Jo 9, 1-41


Reflexões de Philippe Gruson
in «Ler e rezar a Bíblia», volume 2


Cego de nascença
Esta enfermidade era considerada muito grave pelos fariseus, porque impedia de ler as Escrituras. A doença e a enfermidade, tal como toda a infelicidade, eram muitas vezes compreendidas como uma punição de Deus por algum pecado. Já os amigos de Job acreditavam nisso.

Os Sinais
O Evangelho de João nunca fala de «milagre» (em grego: gesto de poder), mas de «sinal». Com efeito, os sete gestos miraculosos que ele narra são mesmo sinais de Deis para revelar quem é Jesus. Para aqueles que confiam nele e sabem descodificar os sinais, Jesus é luz e vida.

Profeta
Aqui o título é tomado no sentido lato: Jesus é compreendido como um enviado de Deus, um homem que fala e age em nome de Deus. Aliás, Jesus entendeu, Ele próprio, que a sua vida se assemelhava à dos profetas: a sua palavra foi muitas vezes rejeitada e procuravam fazê-lo calar definitivamente.

O Filho do Homem
Este título é o de uma personagem misteriosa, celeste, que Deus estabeleceu como juiz universal, numa visão de Daniel (Dn 7,13-14). Ao atribuir a si próprio este título, Jesus afirma que, Ele mesmo, é o enviado de Deus, o mediador através do qual Deus quer dar a salvação a todos os homens.



O caminho da fé
A passagem da cegueira à visão foi rápida. No entanto, o cego teve que confiar na palavra de Jesus... e pedir ajuda para ir a Siloé. Mas a sua fé em Jesus é progressiva: ela cresce à medida que ouve as palavras dos outros: vizinhos, pais e fariseus.
Finalmente, é Jesus quem se lhe revela, da mesma forma que lhe dera a visão por sua própria iniciativa. O cego curado descobre, pouco a pouco, quem é Jesus: «um homem... um profeta... que faz a vontade de Deus... que é Deus...» É Jesus que provoca a revelação plena: «O Filho do Homem... o Senhor». É claramente a oposição dos fariseus que leva o cego a interrogar-se e a refletir sobre a sua experiência (vv. 25.30-33).

A Luz do Mundo
O Evangelho de João utiliza muitas vezes os opostos «luz/trevas», que simbolizam a escolha que os homens têm de fazer perante Jesus, perante Deus: aproximar-se da luz ou, pelo contrário, fugir dela (3,19-21). «A Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não receberam... O Verbo era a Luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina» (1,5.9). O cego representa cada um de nós: Jesus, que passa, pára perto dele e oferece-lhe a visão clara. No entanto, é necessário que ele confie e que se vá lavar a Siloé. Por fim, a situação inverte-se: o cego começa a ver claro, mas os que julgavam ver claramente, ficaram cegos diante de Jesus.
Os verdadeiros cegos não são quem nós julgámos!

O Batismo Cristão
Lavar-se na piscina evoca o rito do Batismo. Os Judeus praticavam os banhos rituais. João Batista tinha-os convidado a virem lavar-se no Jordão e a reconhecerem-se pecadores. Jesus recebeu, Ele próprio, o batismo, mas, neste caso, João testemunha: «É Ele que batiza no Espírito Santo; é Ele o Filho de Deus» (1,33-34). O nome da piscina é simbólico: Siloé significa «o Enviado». Muitas vezes, Jesus fala no Pai: «aquele que me enviou» (ex. 4,34; 6,38-39, etc.). É Jesus, o Enviado, que lava os olhos do cego e o traz para a luz da fé em Cristo Senhor. Os primeiros cristãos gostavam de chamar ao Batismo «iluminação», como no antigo excerto da carta aos Efésios 5,14.





Sem comentários

Com tecnologia do Blogger.