Catequese sobre os Mandamentos #03
Continuemos a falar dos mandamentos que, como dissemos, mais do que mandamentos, são as palavras de Deus ao seu povo, para que caminhe bem; palavras amorosas de um Pai. As dez Palavras começam assim: «Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair do Egito, da casa da servidão» (Êx 20, 2). Este início pareceria não estar relacionado com verdadeiras leis que seguem. Mas não é assim!
Qual o motivo desta proclamação que Deus faz de si mesmo e da libertação? Porque só se chega ao Monte Sinai depois de ter atravessado o Mar Vermelho: primeiro, o Deus de Israel salva, e depois pede confiança.[1] Ou seja: o Decálogo começa pela generosidade de Deus. Deus nunca pede sem dar primeiro. Jamais! primeiro salva, primeiro doa e depois pede. Assim é o nosso Pai, o bom Deus.
E compreendemos a importância da primeira declaração: «Eu sou o Senhor teu Deus». Há um possessivo, existe uma relação, uma pertença. Deus não é um estranho: é o teu Deus.[2] Isto ilumina o Decálogo inteiro e revela também o segredo do agir cristão, porque é a própria atitude de Jesus que diz: «Assim como o Pai me ama, também Eu vos amo» (Jo 15, 9). Cristo é o Amado do Pai e ama-nos com este amor. Ele não começa por si mesmo, mas pelo Pai. Muitas vezes as nossas obras falham, porque começamos por nós mesmos, e não pela gratidão. E onde chega quem começa por si mesmo? Chega a si próprio! É incapaz de progredir, volta para si mesmo. É exatamente aquela atitude egoísta que, brincando, as pessoas dizem: “Essa pessoa é um eu, eu comigo mesmo e para mim”. Sai de si e volta para si.
A vida cristã é antes de tudo a resposta grata a um Pai generoso. Os cristãos que seguem apenas “deveres” denunciam que não têm uma experiência pessoal daquele Deus que é “nosso”. Devo fazer isto, isso, aquilo... Somente deveres. Mas falta-te algo! Qual é o fundamento deste dever? O fundamento deste dever é o amor de Deus Pai, que primeiro dá, depois manda. Colocar a lei antes da relação não ajuda o caminho de fé. Como pode um jovem desejar ser cristão, se nós começamos pelas obrigações, compromissos, coerências, e não pela libertação? Mas ser cristão é um caminho de libertação! Os mandamentos libertam-te do teu egoísmo, e libertam-te porque há o amor de Deus que te faz ir em frente. A formação cristã não está baseada na força de vontade, mas no acolhimento da salvação, no deixar-se amar: primeiro o Mar Vermelho, depois o Monte Sinai. Primeiro a salvação: Deus salva o seu povo no Mar Vermelho; depois, no Sinai diz-lhe que deve fazer. Mas aquele povo sabe que Ele faz tais gestos porque foi salvo por um Pai que o ama.
A gratidão é um traço caraterístico do coração visitado pelo Espírito Santo; para obedecer a Deus é preciso, antes de tudo, recordar os seus benefícios. São Basílio diz: «Quem não deixa que tais benefícios caiam no esquecimento, orienta-se para a boa virtude e para todas as obras de justiça» (Regras breves, 56). Onde nos leva tudo isto? A fazer exercício de memória:[3] quantas maravilhas fez Deus por cada um de nós! Como é generoso o nosso Pai celestial! Agora gostaria de vos propor um pequeno exercício, em silêncio, cada qual responda no seu coração. Quantas maravilhas fez Deus por mim? Esta é a pergunta. Cada um de nós responda em silêncio. Quantas maravilhas fez Deus por mim? E esta é a libertação de Deus. Deus faz muitas maravilhas e liberta-nos.
E no entanto, alguém pode sentir que ainda não viveu uma verdadeira experiência da libertação feita por Deus. Isto pode acontecer. Pode ser que alguém olhe para dentro de si e só encontre sentido de dever, uma espiritualidade de servo, e não de filho. Que fazer em tal caso? Como faz o povo eleito. O livro do Êxodo diz: «Os israelitas, que ainda gemiam sob o peso da servidão, clamaram e, do fundo da própria escravidão, subiu o seu clamor até Deus. Deus ouviu os seus gemidos, lembrando-se da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob. Deus olhou para os israelitas e reconheceu-os» (Êx 2, 23-25). Deus pensa em mim!
A ação libertadora de Deus, inserida no início do Decálogo — ou seja, dos mandamentos — é a resposta a esta lamentação. Nós não nos salvamos sozinhos, mas de nós pode brotar um grito de ajuda: “Senhor, salvai-me; Senhor, ensinai-me o caminho; Senhor, acariciai-me; Senhor, concedei-me um pouco de júbilo”. Trata-se de um clamor que pede ajuda. Compete-nos isto: pedir para ser libertados do egoísmo, do pecado, das correntes da escravidão. Este brado é importante, é oração, é consciência daquilo que ainda existe de oprimido e não libertado em nós. Existem muitas coisas não libertadas na nossa alma. “Salvai-me, ajudai-me, libertai-me!”. Esta é uma bonita prece ao Senhor. Deus espera este grito, porque pode e quer quebrar as nossas correntes; Deus não nos chamou à vida para que permanecêssemos oprimidos, mas para ser livres, e para vivermos na gratidão, obedecendo com alegria Àquele que nos ofereceu tanto, infinitamente mais do que poderíamos dar-lhe. Isto é bonito! Que Deus seja sempre bendito por tudo o que fez, faz e há de fazer em nós!
[1] Na tradição rabínica encontra-se um texto iluminador a este propósito: «Por que as dez palavras não foram proclamadas no início da Torá? [...] Com o que se pode comparar? A um tal que, assumindo o governo de uma cidade, perguntou aos habitantes: “Posso reinar sobre vós?”. Mas eles replicaram: “Que nos fizeste de bem, para que pretendas reinar sobre nós?”. Então, que fez? Construiu-lhes muros de defesa e uma canalização para abastecer a cidade de água; depois, combateu guerras a favor deles. E quando voltou a perguntar: “Posso reinar sobre vós?”, eles retorquiram-lhe: “Sim, sim!”. Assim também o Lugar fez Israel sair do Egito, dividiu o mar para eles, fez com que lhes descesse o maná e subisse a água do poço, levou até eles codornizes em voo e finalmente combateu para eles a guerra contra Amalec. E quando os interrogou: “Posso reinar sobre vós?”, eles responderam-lhe: “Sim, sim!”» (Il dono della Torah. Commento al decalogo di Es 20 nella Mekilta di R. Ishamael, Roma 1982, p. 49).
[2] Cf. Bento XVI, Carta Enc. Deus caritas est, 17: «A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo para mim mesmo de quanto o seja eu próprio. Cresce então o abandono em Deus, e Deus torna-se a nossa alegria».
[3] Cf. Homilia da Missa em Santa Marta, 7 de outubro de 2014: «[Que significa rezar?]. É fazer memória diante de Deus da nossa história. Porque a nossa história [é] a história do seu amor por nós». Cf. Detti e fatti dei padri del deserto, Milão 1975, p. 71: «O esquecimento é a raiz de todos os males».
Catequese do Papa Francisco
27 de junho de 2018
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