Catequese sobre as Bem-aventuranças #02




Amados irmãos e irmãs, bom dia!

Hoje confrontamo-nos com a primeira das oito bem-aventuranças do Evangelho de Mateus. Jesus começa a proclamar o seu caminho para a felicidade com um anúncio paradoxal: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (5, 3). Um caminho surpreendente, e um estranho objeto de bem-aventurança, a pobreza.

Devemos perguntar-nos: o que se entende aqui por “pobres”? Se Mateus usasse apenas esta palavra, então o significado seria simplesmente económico, ou seja, indicaria pessoas que têm pouco ou nenhum meio de subsistência e precisam da ajuda dos outros.

Mas o Evangelho de Mateus, ao contrário de Lucas, fala de “pobres em espírito”. O que significa isto? O espírito, segundo a Bíblia, é o sopro de vida que Deus comunicou a Adão; é a nossa dimensão mais íntima, digamos, a dimensão espiritual, a mais íntima, a que nos torna humanos, o núcleo mais profundo do nosso ser. Então os “pobres em espírito” são aqueles que são e se sentem pobres, mendigos, nas profundezas do seu ser. Jesus proclama-os bem-aventurados, porque o Reino do Céu lhes pertence.

Quantas vezes nos foi dito o contrário! É preciso ser algo na vida, ser alguém... É necessário ser famoso... É disto surgem a solidão e a infelicidade: se eu tenho que ser “alguém”, estou em competição com os outros e vivo numa preocupação obsessiva pelo meu ego. Se não aceito ser pobre, odeio tudo o que me lembra a minha fragilidade. Porque essa fragilidade me impede de ser uma pessoa importante, uma pessoa rica não só de dinheiro, mas de fama, de tudo.

Todos, diante de si, sabem que, por mais que se esforcem, permanecem sempre radicalmente incompletos e vulneráveis. Não há pintura alguma que cubra esta vulnerabilidade. Todos são vulneráveis dentro. É preciso ver onde. Mas como vivemos mal se rejeitamos os próprios limites! Vive-se mal. Não se digere o limite. Está ali. Pessoas orgulhosas não pedem ajuda, não podem pedir ajuda porque têm de ser autossuficientes. E quantas delas precisam de ajuda, mas o orgulho impede que peçam ajuda. E como é difícil admitir um erro e pedir perdão! Quando dou conselhos aos recém-casados, que me perguntam como levar por diante o seu matrimónio, respondo-lhes: “Há três palavras mágicas: com licença, obrigado, desculpa”. São palavras que vêm da pobreza de espírito. Não se deve ser intrometido, mas pedir licença: “Que te parece se fizermos isto?”, para que haja diálogo em família, esposo e esposa dialogam. “Fizeste isto por mim, obrigado, eu precisava”. Depois cometem-se sempre erros, vacila-se: “Desculpa”. E geralmente, casais, os recém-casados, aqueles que estão aqui e muitos, dizem-me: “A terceira é a mais difícil”, pedir desculpa, pedir perdão. Porque o homem orgulhoso não consegue. Ele não pode pedir desculpa: ele tem sempre razão. Não é pobre de espírito. Ao contrário, o Senhor nunca se cansa de perdoar; somos nós que infelizmente nos cansamos de pedir perdão (cf. Angelus, 17 de março de 2013). O cansaço de pedir perdão: esta é uma doença horrível!
Por que é difícil pedir perdão? Porque isso humilha a nossa imagem hipócrita. No entanto, viver procurando esconder as nossas falhas é cansativo e angustiante. Jesus Cristo diz-nos: ser pobre é uma ocasião de graça; e mostra-nos o caminho para sair desta fadiga. É-nos dado o direito de sermos pobres em espírito, porque este é o caminho do Reino de Deus.

Mas há uma coisa fundamental que deve ser reiterada: não nos devemos transformar para nos tornarmos pobres em espírito, não devemos fazer transformação alguma porque já somos pobres! Nós somos pobres... ou mais claramente: somos “muito pobres” em espírito! Nós precisamos de tudo. Somos todos pobres em espírito, somos mendigos. É a condição humana.

O Reino de Deus é dos pobres em espírito. Há aqueles que têm os reinos deste mundo: possuem bens e conforto. Mas são reinos que acabam. O poder dos homens, mesmo os maiores impérios, passam e desaparecem. Muitas vezes vemos nas notícias ou nos jornais que aquele governante forte e poderoso ou aquele governo que ontem existia e hoje já não existe, caiu. As riquezas deste mundo desaparecem, e o dinheiro também. Os idosos ensinavam-nos que a mortalha não tinha bolsos. Isto é verdade. Nunca vi atrás de um cortejo fúnebre um camião para a mudança. Ninguém leva nada. Estas riquezas ficam aqui.

O Reino de Deus é dos pobres em espírito. Há aqueles que têm os reinos deste mundo, têm bens e conforto. Mas nós sabemos que eles acabam. Reina deveras quem sabe amar o verdadeiro bem mais do que a si mesmo. Tal é o poder de Deus.

Como se mostrou Cristo poderoso? Pois Ele soube fazer o que os reis da terra não fazem: dar a sua vida pelos homens. E esse é o verdadeiro poder. Poder da fraternidade, poder da caridade, poder do amor, poder da humildade. Foi o que Cristo fez.

Nisto reside a verdadeira liberdade: quem tem este poder de humildade, de serviço, de fraternidade, é livre. Ao serviço desta liberdade está a pobreza louvada pelas bem-aventuranças.

Pois existe uma pobreza que devemos aceitar, a do nosso ser, e uma pobreza que, ao contrário, devemos procurar, a pobreza concreta, das coisas deste mundo, para sermos livres e podermos amar. Devemos procurar sempre a liberdade do coração, a liberdade que está enraizada na pobreza de nós mesmos.


Catequese do Papa Francisco
5 de Fevereiro de 2020




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