Catequese sobre São José #03

 

Continuemos o nosso caminho de reflexão sobre a figura de São José. Hoje gostaria de explorar o seu ser “justo” e “noivo de Maria”, e assim dar uma mensagem a todos os noivos, incluindo os recém-casados. Muitos acontecimentos ligados a José são contados nos evangelhos apócrifos, ou seja, evangelhos não canónicos, que também influenciaram a arte e vários lugares de culto. Estes escritos, que não estão na Bíblia  –  são histórias que a piedade cristã narrava naquele tempo –  respondem ao desejo de preencher as lacunas narrativas dos Evangelhos canónicos, aqueles que estão na Bíblia, os quais nos dão tudo o que é essencial para a fé e a vida cristã.

O evangelista Mateus. Isto é importante: o que diz o Evangelho sobre José? Não o que dizem os evangelhos apócrifos, que não são negativos nem maus; são bonitos, mas não são a Palavra de Deus. Ao contrário, os Evangelhos, que estão na Bíblia, são a Palavra de Deus. Entre eles está o evangelista Mateus que define José um homem “justo”. Ouçamos a sua narração: «Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente» (1, 18-19). Pois os noivos, quando a noiva não era fiel ou engravidava, deviam denunciá-la! E as mulheres naquele tempo eram apedrejadas. Mas José era justo. E disse: “Não, eu não farei isto. Ficarei calado”.

Para compreender o comportamento de José em relação a Maria, é útil recordar os costumes matrimoniais do antigo Israel. O matrimónio compreendia duas fases bem definidas. A primeira era como um noivado oficial, que já implicava uma nova situação: em particular, a mulher, embora continuasse a viver na casa do seu pai por mais um ano, era de facto considerada a “esposa” do noivo. Ainda não viviam juntos, mas era como se ela fosse sua esposa. O segundo ato era a transferência da noiva da casa do seu pai para a casa do noivo. Isto acontecia com uma procissão festiva, que completava o matrimónio. E as amigas da noiva acompanhavam-na até lá. De acordo com estes costumes, o facto que «antes que fossem viver juntos, Maria estava grávida», expunha a Virgem à acusação de adultério. E esta culpa, segundo a Lei antiga, devia ser punida com a lapidação (cf. Dt 22, 20-21). No entanto, na prática judaica posterior, uma interpretação mais moderada tinha-se tornado realidade e apenas impunha o ato de repúdio, com consequências civis e criminais para a mulher, mas não o apedrejamento.

O Evangelho diz que José era “homem de bem” precisamente porque estava sujeito à lei como qualquer israelita piedoso. Mas dentro dele, o amor por Maria e a confiança nela sugeriam um modo de salvar a observância da lei e a honra da sua esposa: ele decidiu dar-lhe o ato de repúdio em segredo, sem clamor, sem a sujeitar à humilhação pública. Escolheu o caminho do segredo, sem julgamento nem vingança. Mas quanta santidade em José! Nós, que assim que temos um pouco de notícias folclóricas ou negativas sobre alguém, vamos imediatamente à tagarelice! José, ao contrário, fica calado.

Mas o evangelista Mateus acrescenta: «José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados» (1, 20-21). A voz de Deus intervém no discernimento de José e, através de um sonho, revela-lhe um significado maior do que a sua própria justiça. E como é importante para cada um de nós cultivar uma vida justa e, ao mesmo tempo, sentir que estamos sempre a precisar da ajuda de Deus! Para poder alargar os nossos horizontes e considerar as circunstâncias da vida sob um ponto de vista diferente e mais amplo. Muitas vezes sentimo-nos prisioneiros pelo que nos aconteceu: “Mas vejam o que me aconteceu!” e continuamos prisioneiros daquela situação má que nos aconteceu; mas precisamente perante algumas circunstâncias da vida, que inicialmente parecem dramáticas, existe uma Providência que com o tempo toma forma e ilumina com significado até a dor que nos atingiu. A tentação é fecharmo-nos nessa dor, nesse pensamento das coisas desagradáveis que nos aconteceram. E isto não é bom. Leva à tristeza e à amargura. O coração amargo é tão triste.

Gostaria que fizéssemos uma pausa e refletíssemos sobre um pormenor desta história narrada no Evangelho que muitas vezes ignoramos. Maria e José são dois noivos que provavelmente tinham sonhos e expetativas sobre as suas vidas e o seu futuro. Deus parece intervir como um acontecimento inesperado na sua vicissitude, embora com alguma dificuldade inicial, ambos abrem o coração para a realidade que lhes é apresentada.

Estimados irmãos e irmãs, muitas vezes as nossas vidas não são como as imaginamos. Especialmente nas relações de amor, de afeto, temos dificuldade em passar da lógica do apaixonamento para a do amor maduro. E temos de passar do apaixonamento para o amor maduro. Vós, recém-casados, pensai bem nisto. A primeira fase é sempre marcada por um certo encantamento, que nos faz viver imersos num mundo imaginário que muitas vezes não corresponde à realidade dos factos. Mas precisamente quando o apaixonamento com as suas expetativas parece chegar ao fim, neste momento o verdadeiro amor pode começar. Com efeito, amar não é pretender que o outro ou a vida corresponda à nossa imaginação; pelo contrário, significa escolher com total liberdade assumir a responsabilidade pela vida que nos é oferecida. É por isso que José nos dá uma lição importante, ele escolheu Maria “com olhos abertos”. E podemos dizer que com todos os riscos. Pensai, no Evangelho de João, uma reprimenda que fazem os doutores da lei a Jesus é esta: “Não somos filhos que provêm de lá”, referindo-se à prostituição. Porque sabiam como Maria tinha engravidado e queriam difamar a mãe de Jesus. Para mim este é o trecho mais sujo e demoníaco do Evangelho. E o risco de José dá-nos esta lição: assumir a vida como vem. Deus interveio nela? Assumo-a. E José comportou-se como o anjo do Senhor lhe ordenara: de facto o Evangelho diz: «Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu em sua casa a sua esposa. E, sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus» (Mt 1, 24-25). Os noivos cristãos são chamados a dar testemunho deste amor, que tem a coragem de passar da lógica do apaixonamento para a do amor maduro. E esta é uma escolha exigente que, em vez de aprisionar a vida, pode fortalecer o amor para que seja duradouro face às provações do tempo. O amor de um casal continua na vida e amadurece todos os dias. O amor do noivado é um pouco – permiti-me que o diga – um pouco romântico. Vós vivestes-o, mas depois começa o amor maduro, quotidiano, o trabalho, as crianças que chegam. E, por vezes, aquele romantismo desaparece um pouco. Mas não há amor? Sim, mas amor maduro. “Mas sabe, padre, por vezes discutimos...”. Isto acontece desde o tempo de Adão e Eva até aos dias de hoje: que os esposos brigam é o pão nosso de cada dia. “Mas não deveríamos discutir?”. Sim, é possível. “E padre, mas por vezes erguemos a voz” –  “Acontece”. “E também por vezes os pratos voam” – “Acontece”. Mas como assegurar que não prejudica a vida do matrimónio? Escutai bem: nunca terminai o dia sem fazer a paz. Tivemos uma discussão, disse-te coisas más, meu Deus, disse-te palavras más. Mas agora o dia acaba: tenho de fazer a paz. Sabei por que? Porque a guerra fria do dia seguinte é muito perigosa. Não deixeis que no dia seguinte comece uma guerra. Por isso que se deve  fazer as pazes antes de ir para a cama. Lembrai-vos sempre: nunca terminar o dia sem fazer a paz. E isto irá ajudar-vos na vida de casado. Este percurso do apaixonamento para o amor maduro é uma escolha exigente, mas devemos seguir por esse caminho.

E também desta vez concluímos com uma oração a São José.

São José,
vós que amastes Maria com liberdade
e optastes por renunciar da sua imaginação para criar espaço à realidade,
ajudai cada um de nós a deixarmo-nos surpreender por Deus
e acolher a vida não como um acontecimento imprevisto do qual nos devemos defender,
mas como um mistério que esconde o segredo da verdadeira alegria.
Obtende alegria e radicalidade para todos os noivos cristãos,
Mas conservando sempre a consciência
De que só a misericórdia e o perdão tornam o amor possível. Amém.


Catequese do Papa Francisco
1 de dezembro de 2021


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