Catequese sobre a velhice #07
Hoje continuamos a refletir sobre os idosos, sobre os avós, sobre a velhice, palavra que parece feia, mas não, os velhos são grandes, são belos! E hoje deixar-nos-emos inspirar pelo maravilhoso livro de Rute, uma preciosidade da Bíblia. A parábola de Rute ilumina a beleza dos laços familiares: gerados pela relação de um casal, mas que vão além do vínculo do casal. Laços de amor capazes de serem igualmente fortes, nos quais irradia a perfeição daquele poliedro dos afetos fundamentais que formam a gramática familiar do amor. Esta gramática traz linfa vital e sabedoria generativa ao conjunto das relações que edificam a comunidade. Em comparação com o Cântico dos Cânticos, o livro de Rute é como o outro painel do díptico do amor nupcial. Tão importante como essencial, celebra o poder e a poesia que devem habitar os laços de geração, parentesco, dedicação e fidelidade que envolvem toda a constelação familiar. E que se tornam até capazes, nas conjunturas dramáticas da vida de um casal, de conferir uma força de amor inimaginável, capaz de relançar a esperança e o futuro.
Sabemos que os clichés sobre os laços de parentesco criados pelo casamento, sobretudo o da sogra, aquele vínculo entre sogra e nora, falam contra esta perspetiva. Mas, precisamente por esta razão, a palavra de Deus torna-se preciosa. A inspiração da fé pode abrir um horizonte de testemunho que vai contra os preconceitos mais comuns, um horizonte que é precioso para toda a comunidade humana. Convido-vos a redescobrir o livro de Rute! Especialmente na meditação sobre o amor e na catequese sobre a família.
Este pequeno livro contém também um valioso ensinamento sobre a aliança das gerações: onde a juventude se mostra capaz de dar novo entusiasmo à idade madura – isto é essencial: quando a juventude restitui entusiasmo aos idosos – onde a velhice se mostra capaz de reabrir o futuro para a juventude ferida. No início, a idosa Noemi, embora movida pelo afeto das noras, viúvas dos seus dois filhos, é pessimista quanto ao seu destino num povo que não é o seu. Por conseguinte, ela encoraja afetuosamente as jovens viúvas a regressarem às suas famílias para reconstruírem a vida – aquelas viúvas eram jovens –. Diz: “Não posso fazer nada por vós”. Isto já parece ser um ato de amor: a idosa, sem marido nem filhos, insiste para que as suas noras a abandonem. No entanto, é também uma espécie de resignação: não há futuro possível para as viúvas estrangeiras, privadas da proteção dos seus maridos. Rute sabe disto e resiste a esta generosa oferta, não quer voltar para a sua casa. O vínculo que se estabeleceu entre sogra e nora foi abençoado por Deus: Noemi não pode pedir para ser abandonada. Inicialmente, Noemi parece mais resignada do que feliz com esta oferta: talvez ela pense que este estranho vínculo aumentará o risco para ambas. Em certos casos, a tendência do idoso ao pessimismo precisa de ser contrastada pela pressão afetuosa dos jovens.
De facto, Noemi, comovida pela dedicação de Rute, sairá do seu pessimismo e até tomará a iniciativa, abrindo um novo futuro para Rute. Ela instrui e encoraja Rute, a viúva do seu filho, a conquistar um novo marido em Israel. Booz, o candidato, mostra a sua nobreza, defendendo Rute dos homens seus empregados. Infelizmente, este é um risco que também se verifica hoje.
O novo matrimónio de Rute é celebrado e os mundos são de novo pacificados. As mulheres de Israel dizem a Noemi que Rute, a estrangeira, vale “mais de sete filhos” e que o matrimónio será uma “bênção do Senhor”. Noemi, que estava cheia de amargura e dizia até que o seu nome era amargura, na sua velhice conhecerá a alegria de desempenhar um papel na geração de um novo nascimento. Vede quantos “milagres” acompanham a conversão desta idosa! Ela converte-se ao compromisso de se tornar disponível, com amor, para o futuro de uma geração ferida pela perda e em risco de abandono. As frentes de recomposição são as mesmas que, de acordo com as probabilidades desenhadas pelos preconceitos do senso comum, deveriam gerar fraturas insuperáveis. Em vez disso, a fé e o amor permitem que sejam superados: a sogra supera o ciúme do próprio filho amando o novo vínculo de Rute; as mulheres de Israel superam a desconfiança em relação ao estrangeiro (e se as mulheres o fizerem, todos o farão); a vulnerabilidade da jovem sozinha, perante o poder do homem, reconcilia-se com uma relação cheia de amor e respeito.
Tudo porque a jovem Rute se obstinou a ser fiel a um vínculo exposto a preconceitos étnicos e religiosos. E retomo o que disse no início, hoje a sogra é um personagem mítico, a sogra, não digo que pensamos nela como o diabo, mas pensamos sempre nela como uma figura má. Mas a sogra é a mãe do teu marido, é a mãe da tua esposa. Pensemos hoje neste sentimento um pouco generalizado de que a sogra, quanto mais longe estiver, melhor é. Não! Ela é mãe, é idosa. Uma das coisas mais belas das avós é ver os netinhos, quando os filhos têm filhos, revivem. Prestai atenção à relação que tendes com as vossas sogras: por vezes são um pouco especiais, mas deram-vos a maternidade do cônjuge, deram-vos tudo. Pelo menos é preciso fazê-las felizes, a fim de que levem em frente a sua velhice com felicidade. E se tiverem algum defeito, devemos ajudá-las a corrigir-se. Também a vós, sogras, digo-vos: cuidado com a língua, porque a língua é um dos pecados mais terríveis das sogras, cuidado.
E Rute neste livro aceita a sogra, fazendo-a reviver, e a idosa Noemi toma a iniciativa de reabrir o futuro para Rute, em vez de apenas desfrutar do seu apoio. Se os jovens se abrirem à gratidão pelo que receberam, e os idosos tomarem a iniciativa de relançar o seu futuro, nada pode impedir o florescimento das bênçãos de Deus entre os povos! Por favor, que os jovens falem com os avós, que os jovens falem com os idosos, que os idosos falem com os jovens. Devemos restabelecer esta ponte com vigor, nela há uma corrente de salvação, de felicidade. Que o Senhor nos ajude, fazendo isto, a crescer em harmonia nas famílias, aquela harmonia construtiva que vai dos idosos aos mais jovens, aquela ponte positiva que devemos preservar e conservar.
Catequese do Papa Francisco
27 de abril de 2022
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