Salmo 89 (90)
1. Os versículos que agora ressoaram aos nossos ouvidos e aos nossos corações constituem uma meditação sábia que tem, contudo, também uma entoação de súplica. De facto, o orante do Salmo 89 coloca no centro da sua oração um dos temas mais explorados da filosofia, mais cantados pela poesia, mais sentidos pela experiência da humanidade de todos os tempos e de todas as regiões do nosso planeta: a caducidade humana e a fluência do tempo.
Pensamos em certas páginas inesquecíveis do Livro de Job nas quais é focada a nossa fragilidade. De facto, nós somos como "os que habitam moradas de barro e que têm sua origem no pó! São esmagados como um verme, entre a noite e a manhã são aniquilados. Desaparecem para sempre e ninguém se recorda deles" (4, 20-21). A nossa vida na terra é "como uma sombra" (cf. Job 8, 9). É ainda Job quem confessa: "os meus dias passaram mais rápidos que um corcel, fugiram sem terem visto a felicidade. Passaram como barcas de junco. Como a águia que se precipita sobre a presa" (9, 25-26).
2. No começo do seu cântico, que se parece com uma elegia (cf. Sl 89, 2-6), o Salmista opõe com insistência a eternidade de Deus ao tempo efémero do homem. Eis a declaração mais explícita: "Mil anos, diante de vós, são como o dia de ontem que já passou, ou como uma vigília da noite" (v. 4).
Como consequência do pecado original, de uma ordem divina, volta a cair na poeira da qual foi tirado, como já se afirma na narração do Génesis: "Recorda-te que és pó e em pó te tornarás!" (3, 19; cf. 2, 7). O Criador, que dá forma em toda a sua beleza e complexidade à criatura humana, é também aquele que "reduz o homem ao pó" (Sl 89, 3). E "pó" na linguagem bíblica é expressão simbólica também da morte, do inferno, do silêncio sepulcral.
3. Nesta súplica é forte o sentido da limitação humana. A nossa existência tem a fragilidade da erva que brota ao alvorecer; imediatamente ouve o barulho da foice que a reduz a um feixe de erva. Muito depressa, o viço da vida é substituído pela aridez da morte (cf. vv. 5-6; cf. Is 40, 6-7; Job 14, 1-2; Sl 102, 14-16).
Como acontece com frequência no Antigo Testamento, a esta debilidade radical o Salmista associa o pecado: existe em nós a limitação, mas também a culpa. Por isso, a cólera e o juízo do Senhor parecem ameaçar também a nossa existência: "Somos consumidos pela Vossa ira, estarrecidos pelo Vosso furor. Pusestes as nossas culpas diante de Vós... Todos os nossos dias se esvanecem perante o Vosso desagrado" (Sl 89, 7-9).
4. Com o aparecimento do novo dia a Liturgia das Laudes desperta-nos, com este Salmo, das nossas ilusões e do nosso orgulho. A vida humana é limitada "a soma da nossa vida é de setenta anos, os mais fortes chegam aos oitenta" afirma o orante. Além disso, o passar das horas, dos dias e dos meses é marcado pela "canseira e pelo sofrimento" (cf. v. 10) e os mesmos anos revelam-se ser semelhantes a "um sopro" (cf. v. 9).
Eis, então, a grande lição: o Senhor ensina-nos a "contar os nossos dias" porque, "aceitando-os com realismo sadio, "alcançaremos a sabedoria do coração" (v. 12). Mas o orante pede a Deus algo mais: a sua graça ampare e dê alegria aos nossos dias, apesar de serem escassos e marcados pelas provações. Faça com que saboreemos a esperança, mesmo se o passar do tempo parece arrastar-nos. Só a graça do Senhor pode dar consistência e perenidade às nossas acções quotidianas: "Venham sobre nós as graças do Senhor, nosso Deus; consolidai em nós a obra das nossas mãos, fazei que prospere a obra das nossas mãos" (v. 17).
Pedimos a Deus com a oração que um reflexo da eternidade penetre a nossa vida breve e as nossas acções. Com a presença da graça divina em nós, uma luz brilhará com o passar dos dias, a miséria tornar-se-á glória, o que parece estar privado de sentido adquirirá significado.
5. Concluímos a nossa reflexão sobre o Salmo 89 deixando a palavra à antiga tradição cristã, que comenta o Saltério tendo como base a figura gloriosa de Cristo. Assim, para o escritor cristão Orígenes, no seu Tratado sobre os Salmos, que chegou até nós com a tradução latina de São Jerónimo, é a ressurreição de Cristo que nos dá a possibilidade, pressentida pelo Salmista, de "exultar e rejubilar todos os dias da nossa vida" (cf. v. 14). E isto porque a Páscoa de Cristo é a fonte da nossa vida para além da morte: "Depois de nos termos alegrado com a ressurreição de nosso Senhor, mediante a qual já acreditamos que fomos redimidos e que um dia também nós ressuscitaremos, agora, transcorrendo na alegria os dias da nossa vida que ainda nos falta viver, exultamos por esta confiança, e com hinos e cânticos espirituais louvamos Deus através de Jesus Cristo nosso Senhor" (Orígenes Jerónimo, 74 homilias sobre o livro dos Salmos, Milão 1993, pág. 652).
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