Salmo 144 (145)
1. Fizemos agora tornar-se nossa oração o Salmo 144, um louvor jubiloso ao Senhor que é exaltado como um soberano amoroso e terno, preocupado com todas as suas criaturas. A Liturgia propõe-nos este hino em dois momentos distintos, que correspondem também aos dois movimentos poéticos e espirituais do próprio Salmo. Deter-nos-emos sobre a primeira parte, que corresponde aos vv.1-13.
O Salmo é elevado ao Senhor invocado e descrito como "rei" (cf. Sl 144, 1), uma representação divina que domina outros hinos sálmicos (cf. Sl 46; 92; 95-98). Aliás, o centro espiritual do nosso cântico é constituído precisamente por uma celebração intensa e apaixonada da realeza divina. Nela repete-se quatro vezes quase para indicar os quatro pontos cardeais do ser e da história a palavra hebraica malkut, "reino"(cf.Sl144,11-13).
Sabemos que esta simbologia real, que será central também na pregação de Cristo, é a expressão do projecto salvífico de Deus: ele não é indiferente à história humana, aliás tem em relação a ela o desejo de realizar connosco e para nós um desígnio de harmonia e de paz. Toda a humanidade está convocada para realizar este plano, para que adira à vontade salvífica divina, uma vontade que se estende a todos os "homens", a "cada geração" e a "todos os séculos". Uma acção universal, que arranca o mal do mundo e nele instaura a "glória" do Senhor, isto é, a sua presença pessoal eficaz e transcendente.
2. Rumo a este coração do Salmo, colocado precisamente no centro da composição, dirige-se o louvor orante do Salmista, que se faz voz de todos os fiéis. E deveria ser hoje a voz de todos nós. De facto, a oração bíblica mais alta é a celebração das obras de salvação que revelam o amor do Senhor em relação às suas criaturas. Continua-se a exaltar neste Salmo "o nome" divino, isto é, a sua pessoa (cf.vv. 1-2), que se manifesta no seu agir histórico: fala-se precisamente de "obras", "maravilhas", "proezas", "poder", "grandeza", "justiça", "paciência", "misericórdia", "graça", "bondade" e "ternura".
A síntese deste retrato divino encontra-se no v. 8: o Senhor é "lento para a ira e rico em misericórdia". São palavras que reevocam a auto-apresentação que o próprio Deus fizera de si no Sinai, onde tinha dito: "Senhor! Senhor! Deus misericordioso e clemente, vagaroso na ira, cheio de bondade e fidelidade" (Êx 34, 6). Temos aqui uma preparação da profissão de fé de s. João, o Apóstolo, em relação a Deus, dizendo-nos simplesmente que Ele é amor: "Deus caritas est" (cf. 1 Jo 4, 8.16).
4. Além destas bonitas palavras, que nos mostram um Deus "lento para a ira e rico em misericórdia", sempre disposto a perdoar e a ajudar, a nossa atenção fixa-se também no bonito versículo 9: "O Senhor é bom para com todos, a sua ternura repassa todas as suas obras". Uma palavra para meditar, uma palavra de conforto, uma certeza que Ele dá à nossa vida. Em relação a isto, s. Pedro Crisólogo (380 450 ca.) exprime-se assim no Segundo discurso sobre o jejum: ""Grandiosas são as obras do Senhor": mas esta grandeza que vemos na grandeza da criação, este poder é superado pela grandeza da misericórdia. De facto, tendo dito o profeta: "São grandes as obras de Deus", noutra passagem acrescentou: "A sua misericórdia é superior a todas as suas obras". A misericórdia, irmãos, enche o céu, enche a terra... Eis por que a grande, generosa, única, misericórdia de Cristo, que reservou qualquer julgamento para um só dia, designou todo o tempo do homem à trégua da penitência... Eis por que se precipita totalmente para a misericórdia o profeta que não tinha confiança na própria justiça: "Tende piedade de mim, ó Deus diz pela tua grande misericórdia" (Sl 50, 3)" (42, 4-5: Sermões 1-62 bis, Escritores da Área Santambrosiana, 1, Milão-Roma 1996, pp. 299.301).
E assim dizemos também nós ao Senhor: "Tem piedade de mim, ó Deus, tu que és rico em misericórdia".
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