Francisco, o Papa improvável

 
Foto: REUTERS/Remo Casilli


Há qualquer coisa de subversivo no Papa Francisco. Como um ator que se recusa a seguir o guião, este jesuíta argentino que veste a brancura da Cúria parece não caber no molde que o precedeu. Bergoglio é um homem que, ao subir ao trono de Pedro, desceu as escadas do poder. Não há ouro no seu anel que brilhe mais do que a simplicidade do gesto. Não há latim que o impeça de dizer o que o coração lhe pede, mesmo quando a sala se enche de murmúrios.

Para uns, Francisco é a esperança de uma Igreja mais próxima dos pobres, mais alinhada com o Evangelho e menos ensimesmada na sua burocracia milenar. Para outros, é uma ameaça ao edifício sólido de doutrinas que não querem ser revisitadas. Mas Francisco não é um reformador no sentido convencional. Ele é um homem da estrada, um pastor que entende que as ovelhas estão dispersas e que, para as encontrar, é preciso deixar o conforto do redil.

O seu apelo pela misericórdia incomoda, porque a misericórdia exige sujar as mãos. Ao convidar os católicos a acolher os marginalizados – os divorciados, os refugiados, os pobres, os LGBTQ+ –, Francisco mexe no nervo exposto de uma Igreja habituada a julgar antes de abraçar. Não é que ele mude a doutrina, mas insiste numa prática mais humana, mais escandalosamente cristã. E é esse escândalo que tanto incomoda os puristas e encanta os desesperados.

No mundo, Francisco tornou-se uma voz profética numa época de líderes que gritam em vez de pensar. Enquanto se constroem muros, ele prega pontes. Enquanto a terra arde, ele chama à responsabilidade ecológica com a encíclica Laudato Si’, que poderia muito bem ser um manifesto de um ecologista radical. E enquanto o mundo se polariza, ele insiste na diplomacia da escuta, mesmo quando isso significa sentar-se com os poderosos e os impiedosos.

Mas há também uma solidão em Francisco. A solidão de quem vê mais longe, mas sabe que nem todos estão prontos para caminhar ao seu lado. Dentro da Igreja, enfrenta resistências surdas, conspirações subtis e uma máquina pesada que se move com lentidão. E no mundo, enfrenta o cinismo de uma sociedade que já não sabe ouvir os profetas.

Francisco é, talvez, um Papa de transição. Não no sentido de ser passageiro, mas de estar a abrir portas que outros terão de atravessar. Como ele próprio disse, o seu papado pode ser curto. Mas será inesquecível. Porque, no fundo, ele não quer que olhemos para ele, mas para Cristo. E é aí que reside o seu maior desafio e a sua maior força.

Enquanto o mundo o observa, Francisco continua a caminhar. Com a simplicidade de um pastor e a teimosia de um profeta. Um homem que sabe que a verdadeira revolução é a do amor. E que, como todas as revoluções, começa com pequenos gestos que podem mudar o curso da história.



Natália Matos
Catequese e Família



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