O anúncio que vale um milhão

 



“Mas não tinha ficado assente que o aborto não mata ninguém, apenas interrompe a gravidez?!”


Miguel Milhão, que nasceu em Braga em 1983 e, aos 23 anos, fundou a Prozis, uma das maiores empresas europeias de suplementos alimentares, foi notícia por ter promovido o anúncio “Obrigado, Mãe”, um testemunho de amor à vida que é também uma homenagem a sua mãe.

O patrocinador deste polémico vídeo, que não conheço pessoalmente, nem a sua empresa, confessou as condições muito difíceis em que veio ao mundo: “Nasci cego do olho esquerdo, a minha mãe era nova, tinha 19 anos, solteira, e eu era um candidato fixe para o aborto”. Embora pressionada para não ter aquele filho, a mãe decidiu levar a gravidez até ao fim, e daí a muito especial gratidão de Miguel. As circunstâncias dolorosas deste nascimento – que recordam as de Cristiano Ronaldo, cuja mãe também foi pressionada para o abortar – deveriam inspirar sentimentos de solidariedade e de esperança, mas, pelo contrário, acirraram o ódio dos impiedosos defensores da cultura da morte.
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Não em vão Miguel se apelida Milhão porque, de facto, apesar de apresentado como se fosse uma ave rara, tão insólita quão ridícula, há, no nosso país um milhão de pessoas, ou mais, que pensam como ele. A reportagem do insuspeito Público, do passado 31 de Maio, é exemplo disso mesmo, porque os que passaram pela experiência infeliz de um aborto ou, o que é praticamente o mesmo, da morte de um filho recém-nascido, são unânimes nos seus testemunhos. E são muitos porque, “em 2024, morreram em Portugal 320 bebés durante a gravidez ou logo após o parto. É pouco (3,7 mortes por mil nados-vivos). É imenso, para os pais que tiveram de reaprender a viver depois disso”.

Repare-se que a jornalista que assina a reportagem, Daniela Carmo, refere-se à morte de “320 bebés durante a gravidez” e, ainda, que os mesmos até tinham “pais”!?! “Morreram”?! Mas não tinha ficado assente que o aborto não mata ninguém, apenas interrompe a gravidez?! “Bebés durante a gravidez”?! Só se for o protagonista da ultramontana campanha pró-vida que tinha por lema “Não matem o Zézinho”! Ora, a comunicação social há muito que nos ensinou que, antes do nascimento, não há bebé nenhum, porque a gravidez é apenas um processo orgânico! “Pais que tiveram que reaprender a viver depois disso”?! Mas que disparate é este: a gestação só diz respeito à mulher, pois é o seu corpo que está em causa e, como é óbvio, não há “pais” de quem, por ainda não ter nascido, mais não é do que parte do corpo da grávida, que é a única pessoa cuja vontade é relevante em relação ao destino desse conglomerado de células alojadas no seu útero.

Daniel e Diana Costa confidenciaram à jornalista que “sabiam que o coração da filha parara, estava ela grávida de 35 semanas”, porque “não foram detectados batimentos na bebé.” Filha?! Bebé?! E, como se não bastasse, a reportagem também refere “o luto dos pais pelo bebé que perdem”, a que acrescenta a referência a “320 mortes perinatais, que são óbitos que ocorrem durante a gravidez”! Ora a morte, ou óbito, e o luto dizem respeito unicamente a pessoas, não se aplicando, portanto, a gravidezes interrompidas, como é óbvio. Até se chega ao exagero de afirmar que “o médico que lhe fez a ecografia de urgência confirmou o óbito da bebé”, como se um cientista, como é o médico, usasse uma terminologia nada científica, pois é sabido que na gravidez não há bebé, nem óbito nenhum.

A propósito do casal Ana Neves e Marcelo Carvalho, repetem-se os mesmos exageros, que chegam a raiar o absurdo quando se afirma que “Ana havia de passar por outras duas perdas: de João, às 26 semanas, e de Manuel, às 31”. Mas, tratando-se de partes do corpo da mulher, que lógica tem designá-los como se fossem seres humanos?! Se se tratasse de animais domésticos, como cães e gatos, seria razoável dar-lhes nomes de gente, mas não a um conjunto de células femininas! Que um casal o faça, ainda se tolera, mas não um jornal de âmbito nacional!

A reportagem assume um registo trágico quando aborda a questão do aborto. Com efeito, a propósito das “malformações que exigem interrupções da gravidez”, acrescenta-se que as mesmas “são vistas pelo casal como matar o bebé. Isto tem um peso muito grande.” Apesar de todo o cuidado em usar uma linguagem neutra, que esconda, sob a aparência de um inócuo tratamento médico, a brutalidade desse atentado contra uma vida humana inocente, a realidade nua e crua acaba por se impor: quem recorre a este dramático desfecho reconhece que o aborto é, afinal, “matar o bebé”.

Confirmada a malformação congénita, o casal em questão foi informado da possibilidade legal de pôr termo à existência do filho, ou seja, “retirar o bebé da barriga da mãe”. Mas, por mais que se queira disfarçar o indisfarçável, a verdade acaba sempre por se evidenciar, na sua brutal crueza: “depois veio a assinatura do termo porque temos de assinar um termo para tirar a vida do nosso filho, do João.” Segundo esta mãe, a ‘interrupção voluntária da gravidez’ é, na realidade, “tirar a vida do nosso filho”. Não é menos terrível o processo de eliminação: “há uma agulha que espetam no bebé para fazer parar o coração. É horrível.” Pudera, se afinal outra coisa não é do que assassinar o filho que, pela sua deficiência, mais carecia do amor e proteção dos pais.

A cultura da morte presume que o aborto, quando realizado em hospitais, é a melhor solução para as gravidezes indesejadas, ou para as malformações congénitas, quase como quem remove um inestético sinal. A realidade, infelizmente, é muito diferente, porque os pais de um filho abortado sofrem tanto quanto os que perderam um filho recém-nascido. Por isso, “Ana teve acompanhamento psicológico. Também Diana e Daniel o tiveram. Daniel entrou mesmo numa depressão grave após perder a filha.” O sofrimento dos irmãos também não é pouco: o Duarte, quando soube da perda do irmão, “chorou compulsivamente e repetia: ‘eu quero o meu irmão’.”

Mas, nos casos em que a criança não é viável, não seria preferível evitar o seu nascimento? À pergunta respondeu a Andreia, que passou pela amarga experiência de perder uma filha com apenas um mês de vida: “se voltasse atrás e me dissessem: ‘Tu vais ter esta filha, ela vai estar 30 dias contigo, mas depois vais perdê-la, o que é que escolhias?’ Sem pensar, escolheria ter a Íris aqueles 30 dias. Porque, acima da dor, a Íris é amor e foi o que nos uniu a nós os dois enquanto casal, o facto de termos tido aquela filha que não pôde ficar connosco, mas que nos ensinou muito.”

Curiosamente, ou talvez não, os pais entrevistados não manifestam convicções políticas nem religiosas, alguns nem sequer são casados e houve quem desse às filhas os nomes Ísis e Íris por seguirem “a mitologia egípcia”. Também não se fala de zigotos, nem de embriões, porque, embora ciência e religião coincidam na afirmação óbvia de que o começo da vida humana se dá na concepção, a questão é, sobretudo, humana. Por isso, fala-se sim da Maria Rita, filha da Diana e do Daniel; do Duarte, do Fernando, do João, da Luz e do Manuel, filhos da Ana e do Marcelo; da outra Maria Rita, filha da Andreia e do Marco, pais do Enzo; da Íris e da Ísis, filhas de mais uma Andreia e do Marcos. Não são números, não são amontoados de células, não são tecidos orgânicos, não são partes do corpo feminino, mas pessoas de carne e osso, que foram desejadas e queridas e que, apesar da brevidade da sua existência, receberam e deram muito amor porque, como escreveu Saint-Exupéry, “aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”

Obrigado, Miguel Milhão, pela coragem, pela ousadia da verdade, pela pedrada no charco da indiferença ante o pior genocídio da nossa era. Obrigado pela sua mãe, pela sua heróica rebeldia, pela sua determinação em ser uma mulher verdadeiramente livre, pela sua corajosa maternidade assumida, pela sua valentia em ir contra os preconceitos hipócritas e as mentiras anticientíficas do politicamente correcto. Obrigado pelo anúncio que vale um Milhão, o Miguel, e que pode salvar do holocausto silencioso outro milhão, ou muitos milhões de vidas humanas. Bem-haja!


P. Gonçalo Portocarrero de Almada
7 de Junho de 2025
Observador


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