Um português na terra onde os bravos caem


Chamava-se Jerónimo. Nome de santo, ou de mártir, que agora dá no mesmo. Tinha sangue de bombeiro e de paraquedista, músculos de soldado e alma de voluntário. Era português, o que, num mundo em que tanta gente foge, ainda quer dizer qualquer coisa. E morreu como poucos têm coragem de viver, isto é, ao lado de outros que também não tinham nada a ganhar senão a dignidade de dizer fui.
Jerónimo Jesus Alcaria Guerreiro caiu perto de Kupiansk, cidade ucraniana de nome difícil e destino ainda mais áspero. Ali, onde a guerra parece nunca deixar de ser ontem, onde os drones sabem o caminho melhor que as mãos humanas, onde os mortos são números até terem nome - como agora Jerónimo tem o seu.
O que leva um homem, jovem, português, a trocar Lisboa por Kharkiv, os bombeiros pelas trincheiras, os incêndios por arame farpado, os corredores da esperança pelos campos de lama e morte? Talvez o mesmo que leva um poeta a escrever, ou um louco a amar, ou seja, um chamamento que nem ele próprio sabia explicar. E no meio disso tudo, um currículo em LinkedIn que dizia “à procura de trabalho”, como quem ainda acreditava que a vida lhe devia alguma coisa que não fosse apenas silêncio.
Diz o Secretário de Estado das Comunidades que o corpo está em zona russa, como se isso fosse um pormenor logístico. Não é. É um insulto simbólico ao homem e ao país que o viu nascer. Não conseguimos trazer o corpo. Talvez consigamos trazer o exemplo, mas já ninguém acredita muito nisso. A diplomacia não enterra os seus mortos. Lamenta-os com frases feitas e promessas em modo de nevoeiro.
Jerónimo foi mais do que um português na Ucrânia. Foi mais do que um número na Legião Internacional. Foi um desses seres raros que entendem que a coragem não precisa de palco, só de propósito. E foi embora como viveu: com entrega, com frontalidade, com o peso do mundo às costas e sem garantias de aplauso.
Os Bombeiros de Sacavém falaram de “legado de coragem, entrega e humanidade”. Três palavras que andam em vias de extinção, por aqui. A guerra tirou-nos mais do que um compatriota, tirou-nos uma oportunidade de sermos melhores.
Jerónimo morreu longe. Mas é aqui que a sua ausência mais dói.


Natália Matos
Catequese e Família



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