O incendiário chamado a apagar fogos
Os Estados Unidos estão de pernas para o ar. Não de pernas para o ar num tropeço de adolescente, mas numa coreografia desajeitada e ruidosa, uma espécie de queda controlada que já dura demasiado tempo. Donald Trump, o homem de casaco mal cortado e ego inflacionado, não apenas continua a ser um fenómeno político inexplicável, ele é, acima de tudo, o reflexo ampliado de um Ocidente confuso, cansado de si próprio e à beira de um ataque de nervos.
As políticas internas que impõe, com a subtileza de um elefante numa loja de cristal, deixam rasto de divisão, ressentimento, tribalismo. Consegue, com uma mão, prometer ordem, e com a outra acender o rastilho do caos. A América de Trump não é a terra da liberdade, é o circo da liberdade em ruínas, onde o populismo faz de palhaço e a verdade, essa, sai sempre pela porta dos fundos.
E, no entanto - e é este "no entanto" que nos deixa perplexos - é nesta América desconcertante, neste presidente belicoso que insulta aliados, despreza tratados, ridiculariza instituições internacionais, que muitos ainda procuram um "moderador" de guerras. O mesmo homem que agita a NATO como se fosse um brinquedo velho, que trata a ONU como um clube inútil e que ri das diplomacias como se fossem peças de teatro mal ensaiadas, é agora, pasme-se, chamado a ser árbitro das grandes tensões mundiais. A Ucrânia, o Médio Oriente, etc..
Há aqui um paradoxo quase cruel: o incendiário promovido a bombeiro. Um provocador transformado em diplomata. Como confiar a paz a alguém que não sabe o que é a paz social no seu próprio quintal? Como acreditar que será ele a acalmar as guerras, quando faz da retórica um campo de batalha?
Mas este é o mundo em que vivemos. Um mundo onde o ruído vale mais do que o conteúdo. Onde o mediatismo suplanta a coerência. Onde o poder se mede em seguidores, e não em sabedoria. Trump não é apenas um presidente, é um sintoma. Da América, sim. Mas talvez, tristemente, também nosso.
Natália Matos
Catequese e Família
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