50 mil crianças depois





Num mundo com excesso de imagens e escassez de compaixão, as crianças mortas em Gaza somam-se aos números como se não tivessem nome, rosto ou brinquedo favorito. Mais de 50 mil - cinquenta mil - crianças mortas e feridas desde 7 de Outubro de 2023, segundo a UNICEF. Um número tão obsceno que deixa de ser número e passa a ser ruído. Um número que nenhuma consciência deveria aceitar como tolerável.
E no entanto, aceita-se.
A estatística é apenas o verniz. Por baixo está o horror. Mais de 13 mil crianças mortas. Vinte e cinco mil feridas. Algumas perderam membros, todas perderam infância. Outras desapareceram nos escombros, e o termo "desaparecido" esconde a violência de uma morte sem corpo nem despedida. Gaza, diz a UNICEF, tornou-se um cemitério para crianças e famílias. E nós, leitores deste lado do mundo, também somos responsáveis por este cemitério porque ainda não exigimos, com suficiente força, que parem.
Há mais. 25 mil crianças hospitalizadas por desnutrição. 19 mil em estado de desnutrição aguda. E o que não se vê: o trauma, a amnésia forçada pela dor, o medo como identidade. Estes números não são fabricados por propagandas. Vêm da UNICEF, da ONU, da Associated Press. São dados validados, cruzados, repetidos. São a verdade, mesmo que nos custe.
Gaza é hoje a mais absoluta negação da infância. Uma anti-infância. Uma zona em que viver até aos cinco anos já é um milagre. As escolas desapareceram. Os hospitais estão a cair. A água falta. E as Nações Unidas lembram que dois terços das vítimas são mulheres e crianças. Dois terços. Que mais será preciso para o mundo girar?
Podemos discutir a legitimidade de estados e fronteiras, os erros históricos, a tragédia dos atentados, o direito à defesa e à sobrevivência. Mas não se discute isto: nenhuma criança deve pagar com o corpo a dívida política dos adultos.
Nenhuma criança deveria ser alvo de artilharia ou morrer à espera de tratamento. Nenhuma. Não há Estado ou religião que justifique esta contabilidade da morte.
Cada criança morta é uma sentença moral sobre o mundo. Somos todos cúmplices do que escolhemos ignorar.
Gaza hoje não é apenas um conflito geopolítico. É um espelho. E nesse espelho, o que se vê é o fracasso rotundo da nossa civilização.


Natália Matos
Catequese e Família





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