O que se passa com os rapazes?



Portugal parece gostar da estatística silenciosa. Aquela que assusta, mas que não se ouve nos cafés, nem se comenta no intervalo das escolas. Uma mulher morta em contexto de violência doméstica? Não é novidade. Uma rapariga violada por um grupo de rapazes? Já vimos pior. Uma adolescente controlada pelo namorado via localização em tempo real? Os pais até acham que é “porque ele gosta dela”. A banalização da barbárie tornou-se um hábito cultural.

A pergunta que se repete - o que se passa com os rapazes? - não é inocente. É, aliás, reveladora. Revela que não sabemos - ou não queremos saber - o que estamos a construir. Educamos os rapazes como se ainda estivéssemos num país onde o machismo é uma espécie de património imaterial. E depois surpreendemo-nos com os resultados. É o mesmo espanto hipócrita de quem semeia tempestades e se admira da violência do vento.

Crescem num mundo onde a pornografia está à distância de um toque e onde a virilidade se mede por likes e seguidores. O modelo masculino continua a ser o do dominador, não o do cuidador. O “machão”, o “alfa”, o que não chora, não hesita, não escuta. O que tem direito ao corpo da mulher porque a cultura lho deu - através da música, do cinema, da publicidade, e até, muitas vezes, do silêncio cúmplice dos adultos.

Estes rapazes não nascem monstros. São feitos. Forjados em ambientes que lhes dizem, subtilmente, que podem tudo. Que uma rapariga que diz “não” está a dizer “talvez”. Que uma mulher que se veste “de forma provocadora” está a pedir para ser olhada - e talvez tocada. Que a emoção é fraqueza e que o amor exige posse. E se o amor falha, há sempre a raiva.

Vivem-se tempos em que muitos pais e educadores ainda têm medo de “feminizar” os rapazes. Evitam falar-lhes de emoções, de limites, de igualdade. Preferem deixá-los entregar-se a um universo virtual onde a mulher é objeto, desafio ou troféu. Nunca sujeito. Nunca igual. Os resultados estão à vista: a violência no namoro aumentou; os comportamentos controladores são naturalizados; e os discursos de ódio contra mulheres, feministas e até vítimas, fazem carreira nas redes sociais.


E o Estado? Tímido. As campanhas existem, sim, mas não chegam. São notas de rodapé num sistema educativo que ainda separa cidadania da vida real. Que trata a educação sexual como um tema técnico, asséptico, desprovido de ética, como se fosse possível falar de sexo sem falar de respeito. Falta coragem política e visão pedagógica.

Precisamos de ir mais longe. De ensinar que masculinidade não é dominação, que desejo não é consumo, e que amor não é vigilância. De dizer, sem rodeios, que quem bate, quem viola, quem humilha, não é homem - é o produto falhado de uma sociedade cúmplice.

O combate à violência contra mulheres não é um problema das mulheres. É, sobretudo, um problema dos homens. Mais ainda: é um problema dos rapazes que estamos hoje a educar - ou a deixar à deriva. Porque enquanto não os educarmos para a igualdade, para o respeito e para a empatia, estaremos todos em risco. E as mulheres continuarão a morrer às mãos de homens que nunca souberam o que era amar.


Catarina Pereira e Manuel Sampaio
Catequese e Família




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