Francisco e o peso do tempo
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Foto: Franco Origlia/Getty Images |
O mundo observa com atenção o homem de branco, curvado pelo tempo e pelas dores do corpo, mas ainda de olhar vivo e verbo pronto. O Papa Francisco, um pontífice que desafiou convenções e desconcertou os mais rígidos, vê-se agora prisioneiro daquilo que nenhum poder humano consegue contornar que é a fragilidade da carne.
As últimas notícias vindas do Vaticano falam de uma pneumonia, de um internamento, de um estado "estável", mas complexo. As palavras são cautelosas, calibradas, medidas ao milímetro para não alarmar nem esconder o essencial. O Papa está doente. E, no entanto, a doença de um Papa nunca é um simples caso clínico. É um abalo sísmico na alma de milhões.
Francisco já não é um jovem, nunca o foi enquanto Papa. O seu pontificado começou sob o signo da idade avançada, mas também da energia, da vontade de reformar, de sacudir a poeira dos salões do Vaticano. Com ele vieram a crítica aberta ao clericalismo, a denúncia das hipocrisias, a mão estendida aos pobres e aos marginais. Agora, porém, o corpo falha. A bronquite que se transforma em pneumonia, as limitações respiratórias, as pequenas renúncias diárias à autonomia. As audiências canceladas, as viagens adiadas, a máquina burocrática da Igreja a preparar-se, talvez, para um futuro sem Francisco.
Mas será que a Igreja, essa instituição milenar, está preparada para um novo conclave? Ou, pior ainda, para a possibilidade de uma renúncia? Bento XVI abriu essa porta, e Francisco, que sempre a manteve entreaberta, pode um dia atravessá-la. Já o disse, já o sugeriu, mas a decisão, essa, pertence ao tempo e à providência. E a renúncia de um Papa, por mais que se normalize, nunca será banal.
Em Portugal, como em tantos lugares do mundo, os fiéis rezam. Na Sé de Lisboa, na capela de um hospital de província, nos bancos de madeira polida das igrejas rurais, murmuram-se orações pelo homem que veio do fim do mundo para guiar a barca de Pedro. E mesmo entre os não crentes há um reconhecimento de que Francisco trouxe ao papado uma humanidade palpável, um cheiro a povo e a rua, um registo de proximidade que incomodou os palácios mas conquistou as praças.
O que esperar então? Esperar é, aliás, a palavra certa. Esperar que a medicina cumpra o seu papel, que a fé faça a sua parte, que o tempo se incline, ainda um pouco, perante este homem de 88 anos que, cansado mas lúcido, continua a segurar o peso simbólico de uma Igreja que nunca dorme. Enquanto isso, o mundo observa. E aguarda.
Manuel Sampaio
Catequese e Família
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