O longo caminho da gratidão
“(...) atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu.”
(Lc 17,16)
“A gratidão é a memória do coração” (Paul H. Dunn))
Aquele que é marcado pela experiência de que tudo é dom e dado pelo Deus providente, adquire a fina percepção de que tudo é graça, tudo é “de graça”, somos “agraciados”, “cheios de graça”...
É Ele mesmo que, ao criar-nos gratuitamente no amor, nos ensina a “sermos gratuitos e gratos”.
Só Ele é capaz de gerar o verdadeiro sentido e força do “de graça”; só a generosidade gratuita do coração de Deus é capaz de reconfigurar mentes e encorajar atitudes oblativas em nós.
Enquanto a memória da mente é a lembrança, a do coração encontra expressão na gratidão. Afinal, estar grato é uma forma de memória. Normalmente vivemos inúmeras bênçãos diárias que esquecemos. Quanto maior a memória do coração mais ele poderá nos mostrar o quanto somos gratos.
Na espiritualidade cristã, a gratidão nasce com naturalidade e espontaneidade nos corações humildes, nas pessoas conscientes de que aquilo que recebem não é por mérito ou retribuição. Tudo é gratuidade. O agradecimento é a experiência humana que mais mobiliza a generosidade da pessoa; a gratidão é a mais agradável das virtudes: que virtude mais leve, alegre, mais luminosa, mais humilde, mais feliz!!! É por isso que ela se aproxima da caridade, que seria como a gratidão sem causa, uma gratidão incondicional.
Parece ser que a gratidão, juntamente com o amor, é um dos sentimentos mais terapêuticos: centra-nos, (re)situa-nos, faz.nos porosos, abre-nos a dimensões infinitas, arrancando-nos de mecanismos ego-centrados, que nos fazem girar sobre nós mesmos de um modo doentio.
Grandeza da gratidão, pequenez do ser humano.
“De graça”: esta é uma expressão cada vez mais estranha e distante numa cultura marcada pelo consumismo, pelo “toma lá, dá cá”. O que é que se encontra “de graça?” Onde? Quem pratica essa aventura da “mão aberta”, da largueza de coração? Desconfia-se de quem oferece alguma coisa “de graça”. Há interesses escondidos, motivações escusas, para ganhar alguma coisa.
“De graça” parece já não fazer parte mais do nosso vocabulário. Esta é a lei dura, imposta e forjada pelo mecanismo perverso da exploração, da concentração de bens... Nesse horizonte o que vale são os cálculos e os interesses egoístas.
Há aqueles que não conhecem a palavra “gratuito” e, por isso, petrificados à “gratidão”. São surdos e mudos para o “muito obrigado”. Para eles tudo se compra e tudo se vende. O egoísta é ingrato não porque não goste de receber, mas porque não gosta de reconhecer o que recebe do outro, e a gratidão é esse reconhecimento; não gosta de retribuir, e a gratidão, de facto, retribui com o agradecimento.
Um outro horizonte, no entanto, é apresentado por Jesus. Ele está a caminho, quase a chegar à etapa final da viagem: Jerusalém. A estrada é a vida e a missão de Jesus, enviado para revelar o rosto de Deus aos homens. A sua estrada é marcada pela solidariedade e cuidado para com os mais excluídos e sofridos.
Entre Jesus e aquela estrada, que conduz a Jerusalém, há uma relação vital: Ele é o “autor” daquela estrada; Ele é a estrada do cumprimento da vontade de amor e de salvação do Pai; Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Essa estrada deverá ser a mesma também dos discípulos, a do seguimento, a que conduz à Cidade santa, à plena bem-aventurança. Um Caminho que faz viver e realiza a comunhão em plenitude.
Logo que Jesus entrou na aldeia, “dez leprosos” foram ao seu encontro. Pela narração do evangelista, dá a entender que não há mais ninguém na cena: Jesus parece estar sozinho com os leprosos. A aldeia apresenta-se surpreendentemente vazia. É óbvio, os leprosos deviam estar separados e longe de todos. Na verdade, a lepra era entendida como manifestação de uma condição de pecado. Os leprosos, embora mantivessem a devida distância, vão ao encontro de Jesus, a gritar. Aqueles pobres miseráveis buscam-n'O como o “misericordioso”: “Jesus, mestre, tende piedade de nós”. É uma oração surpreendente, na qual o homem de Nazaré é chamado pelo próprio nome. Jesus, por sua vez, pousa sobre eles o seu “olhar” e os envolve com tanta atenção e sedução, que os dez não hesitam, nem um momento sequer, em pôr em prática, com confiança, a ordem que lhes foi dada: “Ide mostrar-vos aos sacerdotes”. Assim, Jesus põe-se com eles na estrada da esperança, na estrada da experiência da solidariedade que cura e os acompanha, mesmo de longe, até aos sacerdotes.
A recuperação da saúde deles torna-se também reinserção na sociedade, no âmbito familiar e na comunidade religiosa. Eles não serão mais rejeitados.
No entanto, somente um dos dez leprosos, ao longo do caminho, descobriu ter sido curado. Então “voltou dando glória a Deus, em alta voz”. Cai com o rosto ao chão, aos pés de Jesus, e dá graças a Deus: ele era um samaritano. A sua admiração por ter sido curado torna-se caminho de retorno e hino de gratidão. Assim, a cura, em sentido pleno, consiste em descobrir que o verdadeiro ponto de chegada do caminho tomado consiste, justamente, em voltar ao ponto de partida: a pessoa de Jesus, reencontrada no pleno esplendor da sua luz.
Somente aquele estrangeiro, capaz de dizer “obrigado”, volta a Jesus, a quem obedecera na obscuridade da fé. No fundo, ele descobriu não só ter sido curado, mas, sobretudo, ter sido amado.
É exactamente isso que o leva para além do agradecimento e o faz entoar um hino de louvor, onde toma forma o gosto pelas coisas e pela vida, porque foram dadas por um Amor eterno. Também Jesus não esconde a sua profunda surpresa, seja pelos nove que não voltaram, seja pela única volta agradecida de um samaritano. Mais uma vez, pousando o seu olhar de amor e de misericórdia sobre o estrangeiro, dirige-lhe uma palavra de envio: “Levanta-te e vai”, como também uma palavra de consolação: “A tua fé te salvou”.
Ao leproso-estrangeiro, portanto, nada mais resta a não ser pôr-se novamente a caminho, na novidade deste encontro e deste acontecimento, que o marcou profundamente, e seguir a estrada indicada por Jesus, tornando-se um sinal concreto da presença de Deus e do seu Amor que salva. O samaritano curado, agora a caminho com Jesus, pode comunicar a todos a alegria do seu reconhecimento, mediante a gratuidade do dom recebido.
O verdadeiro sentido do retorno é a “gratidão”, o “agradecimento”, o “louvor”: esta é a realidade da conversão. Tal retorno é a real “peregrinação” do cristão. Ser “curado” e viver em plenitude significa deixar espaço ao agradecimento e transformar o caminho humano em canto de louvor.
Cabe a nós, enquanto seguidores de Jesus, pensar/sentir agradecidamente e ter gestos de gratuidade. Cabe a nós falar agradecidamente. A expressão “muito obrigado” é das primeiras que se aprende quando alguém se inicia noutro idioma. Ser agradecido aprende-se agradecendo e tudo se pacifica quando o gratuito marca nosso ser inteiro.
A vida nova vem da vida recebida e partilhada; ela nos coloca acima do êxito e do fracasso, pois está no nível da gratuidade.
Pe. Adroaldo Palaoro, sj
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